escolhas 3

Afinal você é irracional

Pensa que o ser humano é um ser racional? Pense de novo. Na verdade, nós, humanos, somos irracionais. Muito menos sensatos e ponderados como o senso comum e as teorias tradicionais de economia defendem.

Há algum tempo, regressava a casa de uma das minhas muitas viagens entre Lisboa e Porto tendo por companhia a rádio. O jornalista anunciava a entrevista ao economista e investigador de economia comportamental professor Dan Ariely do muito famoso MIT (Massachusetts Institute of Technology), a propósito do seu livro “Previsivelmente Irracional”.

A minha curiosidade ficou ainda mais desperta. Então nós éramos irracionais, mais ainda, previsivelmente irracionais?

Ouvi a entrevista até ao fim e não resisti a comprar e ler o livro e a partilhar agora convosco algumas das suas experiências e conclusões.

O ser humano é um ser racional?

Muitos de vós, tal como eu, considera que o ser humano é um ser racional. Avaliamos todas as opções disponíveis, sabemos as implicações de cada uma delas e escolhemos sempre o melhor caminho.

Fazemos isto todos os dias, várias vezes ao dia. Escolhas bem e mal feitas. Estas últimas são o resultado dos imponderáveis do mercado, mas não deixam de ser decisões bem ponderadas e racionais.

Somos Irracionais

Pois, Dan Ariely propõe exatamente o contrário. Nós, humanos, somos irracionais. Muito menos sensatos e ponderados como o senso comum e as teorias tradicionais de economia defendem. Somos muito mais capazes de ceder a estímulos psicológicos difíceis de compreender, mas fáceis de identificar.

A capacidade de contrariar os nossos próprios interesses é tão grande que chega a ser previsível. “Entender como somos previsivelmente irracionais é o ponto de partida para melhorar as nossas decisões e mudar as nossas vidas para melhor”, diz o professor.

Ele é um dos economistas mais influentes da atualidade e um estudioso da chamada economia comportamental.

Os seus estudos têm por base experiências que demonstram como realmente nos comportamos na hora de

  • comprar,
  • vender,
  • trabalhar,
  • mudar de emprego
  • e assim por diante.

Incluem muitas das componentes da psicologia, pois tentam entender como as mais diversas emoções, raiva, medo, etc., são parte fundamental de todas as decisões que tomamos no dia-a-dia. Esta nova teoria tem ganho cada vez mais importância e reputação.

O Nobel de Economia foi atribuído em 2002 a um professor de psicologia Daniel Kahneman pelos seus estudos sobre os mecanismos de tomada de decisão.

Relatividade

O livro de Dan Ariely, “Previsivelmente Irracional”, segue esta linha de pensamento e relata uma série de experiências com base em acontecimentos triviais, mas que são surpreendentemente reveladores da nossa irracionalidade, mesmo dos mais cerebrais.

Logo no capítulo de abertura, “A verdade sobre a relatividade”, o professor explica que a relatividade tem influência no processo de decisão a partir do momento em que se utiliza um chamariz para ser, conscientemente ou não, uma referência para comparação do objeto em questão.

O denominado chamariz é, na verdade, uma terceira opção com requisitos inferiores à da opção que se quer oferecer.

Como exemplo, é citada a campanha da revista The Economist, em que oferecem três tipos de assinatura da revista.

Na primeira opção, assinatura só com acesso à internet cujo preço tem um desconto. As outras duas opções têm o mesmo valor, sendo que uma é só a versão impressa e a outra contém as duas opções: acesso à internet e versão impressa. O que se quer demonstrar é que, com duas opções de valores iguais, mas com benefícios diferentes, sendo que uma delas pode ser considerada inferior, as pessoas sentem-se predispostas a aceitar a proposta similar mesmo com preço superior.

A oferta e a procura

No segundo capítulo, com o título “A Falácia da Oferta e da Procura”, ele mostra que a nossa relação com os preços está sujeita às mais prováveis influências.

Ele fez uma experiência com um grupo de alunos de um MBA. Todos receberam uma lista com um conjunto de produtos, tais como vinhos, computadores, livros e chocolates.

Cada um escreveu, ao lado de cada produto, os dois dígitos finais do seu número de contribuinte, como se fossem o preço dos produtos. Depois, pediu-lhes que indicassem se comprariam os produtos por aquele valor e qual seria o máximo que pagariam por eles num leilão.

“Perguntei se achavam que o número de contribuinte tinha alguma influência nos lances que tinham licitado. Eles rapidamente responderam – Não, de forma alguma!”, relata Ariely.

Os estudantes cujo número de contribuinte terminava nos números mais altos (entre 80 e 99) estavam dispostos a pagar muito mais do que os colegas das dezenas inferiores. Um número escolhido ao acaso e sem nenhuma relação com os produtos da lista serviu como âncora para a tomada de decisão do preço. Isso parece racional? Claro que não.

O custo do custo zero

Num outro capítulo sobre o título “O custo do custo zero”, o autor comenta se existe sensatez na escolha de produtos grátis.

A escolha pelo “grátis” tem um grande apelo emocional pois faz com que se esqueça o aspeto negativo da escolha e aparenta um valor imensamente maior do que o real.

A Amazon numa determinada altura oferecia portes grátis na compra do 20 livros. Era tão tentador que os clientes escolhiam o 20º livro mesmo sem ter interesse nele, só pela febre do desconto oferecido pelo “portes grátis”. O “grátis” é algo muito poderoso.

Dan Ariely descreve habilmente as experiências e as ideias que elas ajudam a ilustrar. Algumas são engraçadíssimas, como o teste em que os alunos responderam a perguntas sobre se seu comportamento sexual em duas situações: numa entrevista nos seus quartos, vendo imagens pornográficas.

O resultado? Excitados, os participantes demonstraram maior propensão a adotar comportamentos de risco e abandonar o uso de preservativo.

Um outro estudo avaliou como o dinheiro muda a disposição que temos em executar determinadas tarefas. Os participantes repetiram uma tarefa monótona num computador, que consistia em arrastar uma imagem dum círculo para dentro de um quadrado. Um grupo recebeu pela tarefa 5 dólares, e outro 50 cêntimos e um terceiro grupo, nada, o trabalho era simplesmente um favor.

Dan Ariely descobriu que foi justamente o terceiro grupo que se aplicou mais na tarefa. Numa variante da experiência, a remuneração foram prendas e o terceiro grupo, mais uma vez, não teve qualquer recompensa. O resultado foi diferente: todos trabalharam com a mesma intensidade.

A conclusão do professor foi que, ao colocar dinheiro na equação, a relação deixa o âmbito social e passa para o do mercado.

O reconhecimento

Em muitos casos, um presente é um reconhecimento de esforço muito mais eficaz do que um cheque. Todos trabalhamos por dinheiro, mas um elogio pode ter um efeito poderoso.

Lembre-se disto na próxima vez que recompensar os seus colaboradores.

Ler os relatos do livro é um exercício de reflexão no sentido literal da palavra. A cada relato de uma experiência, e eles são muitos, somos colocados na situação das “cobaias” e participamos mentalmente nas pesquisas.

O autor escreve de uma forma fluida e agradável, sem chavões técnicos como seria de esperar de um livro típico de economia. Relata as histórias com humor e leveza. À medida que os exemplos se acumulam, fica cada vez mais clara a sensação de que em muitas ocasiões do nosso dia-a-dia pensamos mais com o coração e com o estômago ou, o que provavelmente é pior, que o nosso cérebro nos manipula.

O paradoxo de Xiang

Corria o ano de 210 A.C., o comandante chinês Xiang Yu preparava um ataque contra as forças da dinastia Qin. Após cruzar o rio Yangtze, ele surpreendeu o seu exército ao queimar os seus barcos e destruir as panelas.

Sem condições de recuar nem de manter as posições por não poderem cozinhar, só restava a opção de partir para o ataque. Xiang e os seus soldados venceram as nove batalhas seguintes.

O bom senso manda que mantenhamos sempre o maior número de opções à mão. Mas será que essa é a decisão mais racional? Com esta história o professor Ariely sustenta que não.

O professor Ariely relata uma experiência pessoal e uma escolha que teve de fazer: continuar no MIT ou aceitar um convite para lecionar em Stanford?

Conta que passou semanas a comparar as duas universidades e a conversar com alunos e colegas e a avaliar o impacto da decisão para a sua família.

Neste processo, a sua produção académica começou a sofrer com o impasse. Acabou por ficar no MIT e concluiu: “Eu, com todo o meu conhecimento a propósito da dificuldade do processo de escolha, fui tão previsivelmente irracional como as outras pessoas.”

O que fazer?

As respostas são um pouco óbvias, mas ainda assim é difícil não concordar com elas.

Evitar assumir muitos projetos no trabalho é um bom começo. Apesar destes exemplos de carácter prático, o livro não pretende ser um manual de autoajuda.

Mas entender como a nossa mente funciona em certas situações pode ser útil para criar algumas defesas, por mais simples que sejam, contra as tendências que temos de agir de maneira irracional.

Um bom começo é ser objetivo. Quando for a uma livraria, faça como eu, não gaste tempo a decidir entre os livros de gestão tão na moda, escolha “Previsivelmente Irracional”, sem pensar duas vezes.

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